Sem razão

 

Uma das pérolas clássicas da filosofia pop é a de que não é possível usar a razão para convencer ninguém de algo que eles não foram convencidos por meio da razão. Ninguém chegou a essa conclusão através da razão, já que não há razão alguma para crer que isso seja verdadeiro.

Pessoas são convencidas por argumentos frequentemente, coisa que já aconteceu conosco em algum momento e já testemunhamos múltiplas vezes. É na verdade um fenômeno trivial para o qual não estamos atentos por sermos vítimas de viés de seleção. Em outras palavras, pessoas sem razão que mudam de ideia na presença de razões válidas não são notícia. 

Há um vídeo no Youtube sobre um estudante que acreditava que J.K. Rowling era transfóbica porque isso era o que outras pessoas diziam a ele, um exemplo simples de crença não obtida através da razão. Após lerem na aula alguns tweets supostamente transfóbicos da autora, o professor perguntou qual a opinião do aluno sobre aqueles posts. Ele disse que não reconheceu nada transfóbico ali, então imediatamente mudou de ideia sobre a transfobia de Rowling. Nem mesmo argumento foi preciso, já que o próprio indivíduo se autoarjumentou para fora da sua posição inicial. Esse é o protótipo do aluno exemplar: não dá trabalho e aprende tudo sozinho.

Trabalho bem mais difícil é convencer alguém que tem razões para acreditar em algo, no caso, as razões erradas. Neil deGrasse Tyson acredita que um indivíduo pode acordar 70% homem e 30% mulher hoje, e amanhã mudar para 30% homem, 90% mulher e 20% gênero desritmético, que é o gênero que declaram as pessoas que tem problemas com aritmética.

Como popularizador da ciência e defensor da racionalidade, Tyson tem a obrigação de saber melhor, mas isso é o que ele vai repetir por medo de perder seu emprego e seu espaço no mainstream. Quando a razão pela qual você acredita em algo é o medo, argumentos dificilmente têm efeito, então é impossível convencer Tyson a mudar de ideia quando ele já está convencido de que não pode se dar a esse luxo. Pensar é grátis, mas pensar a coisa errada pode custar mais do que você está disposto a pagar.

Medo é algo que também já testemunhei muitas vezes. Medo de ser excluído do seu círculo social, medo de ter sua reputação abalada, medo de perder a própria identidade, medo de que você não vai conseguir comer mais ninguém, medo de perder o sentido da vida ou mesmo o medo de abandonar algo no qual você já investiu grande quantidade de tempo e esforço.   

Tenho medo de pessoas que tem medo. Medo leva à raiva, raiva leva ao ódio, ódio leva ao sofrimento, e sofrimento nos leva a acreditar que urubu é louro só porque o fiofó está ardendo. Como sempre, a solução para esse problema é ingressar na seita: a seita que dói mais.

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