Se você não existisse, que falta faria? O filósofo Mario Sergio Cortella analisa a questão em livro que não vou ler, pois não me faz falta. Ainda assim, filosofei sobriamente sobre essa profunda indagação filosófica, e depois filosofei mais profundamente já não tão sóbrio - pois essa é a parte mais divertida - e concluí ebriamente que o que eu gostaria mesmo na minha falta é não fazer falta. 


A vida já é tão cheia de ausências, carências, reticências e abstinências, que penso que o melhor a fazer seria não protagonizar mais uma tragédia justo no momento em que não estarei presente para assumir sua autoria. Eu com certeza não sentirei minha falta na minha falta, então nada vejo além da desnecessidade de causar a outrem qualquer aflição quando ser for algo que já não mais sou.

Estava tudo indo muito bem até que um leitor, sentindo a minha falta, me perguntou se eu estava tendo algum bloqueio literário, momento em que percebi que meu plano havia naufragado. Não que eu tivesse um, mas se algo ocorrer de improviso, talvez por acidente, e eu não conseguir escrever mais, já planejei há muito não chorar sobre o azeite esparramado ou lamentar aquilo que fincou lá atrás.

Não, não estou tendo nenhum bloqueio literário. Aliás, como todo usuário de redes sociais, só de pensar nesse negócio de bloqueio já me dá gatinhos, então o que na verdade está ocorrendo é que me deu um branco. Para evitar ser acusado de transfóbico, aviso de antemão que em outras ocasiões tive um azul, um preto, vermelho, roxo, rosinha e várias outras cores. Até um verdão já me deu certa vez. Gêintchy, foi horrível! Quase amarelei, mas no fim foi só um susto, e tudo virou arco-íris outra vez.

Não escrever por falta de assunto, acredito hoje ser impossível, então quando me dá um branco, a razão tem necessariamente que ser outra. Para me certificar de que assunto nunca irá me faltar, uso o Keep - aplicativo de notas do Google - como brainstorm. É um repositório caótico com memes, imagens, links, tralhas diversas que leitores me mandam ou que coleto na Internet, insights, ideias soltas, anotações, rascunhos de parágrafos, etc. 

Cada uma das notas que armazeno é um texto em potencial, onde por potencial entenda-se o que feministas entendem quando chamam homens de estupradores em potencial. Não é bem aquilo que você imagina, então não inverta a desordem dos vetores, pois isso vai causar confusão. Dizer que homens são estupradores em potencial, para os que não sabem ainda, não é dizer que todos eles serão um estuprador um dia, mas sim que já nasceram um. 

Como não estava fazendo nada de inútil nesse período em que não estou escrevendo, resolvi imprimir minhas notas do Keep em um PDF, o que resultou em um arquivo assustador com monstruosas 236 páginas. Cada página tem cerca de seis notas, então há mais de 1.400 textos em potencial aguardando aquele momento em que irão emergir da branquidão como uma crisálida esfumaçante para se transformar em um ser eluminado, uma obra que, se não terminar perfeita, ao menos acabou terminada. Já é um começo. 

Sempre fico na dúvida se toda essa brainstormidade é muito brain para pouco storm, muito storm para pouco brain, ou alguma outra coisa que não pensei ainda, então regularmente uso o Photoshop como ferramenta auxiliar do processo criativo. Enquanto inseria a fuça do Mussum no cartaz de Wakanda Forever, por exemplo, na tentativa de encontrar aspiração para escrever sobre o filme, pensava com meus bostões que esse negócio de fuçar no Photoshop é que nem mulher: dá muito trabalho pelo prazer que proporciona. Piscina também cai nessa categoria das entidades com relação incomodação/diversão deficitária, com a vantagem de que nunca fica com dor de cabeça, nunca vai te dar um pé na bunda e nunca vai usar a Maria da Penha contra você para te deixar Depp naqueles dias em que ela acordou Amber.

Por falar em meninas, só dá elas em Wakanda Forever, possivelmente o filme mais woke da Marvel até o momento. O filme é tão woke que consegue, entre outras façanhas, rodar no teste de Bechdel¹ reverso: não possui no mínimo dois personagens homens que conversam entre si sobre outro assunto que não seja uma mulher por mais de um minuto. Embora seja um teste descerebrado e totalmente sem noção, foi largamente adotado e martelado pelas manas em Hollywood, portanto a continuação de Black Panther é sexista contra homens de acordo com o critério de sexismo utilizado extensivamente pelas autoproclamadas experts em discriminação de gênero no cinema.

Para ser sincero, não estava nem um pouco motivado a escrever sobre Wakanda Forever. Só o que eu queria mesmo era uma desculpa para publicar minha montagem do cartaz do filme com o Mussum, então acho que até o momento estou indo bem. Para ser mais sincero ainda, acredito ter coisas mais importantes para fazer da vida do que postar textão nas redes sociais, como assistir séries, por exemplo. Assim sendo, aproveitei meus momentos de branquidão para, entre outras coisas, maratonar Game of Thrones com a patroa. Devo dizer que foi uma experiência deveras escurecedora.

Enquanto revisitava com olhar renovado e atualizado esse épico sobre dragões, zumbis, dragões zumbi, manetas incestuosos, eunucos de lança dura, bastardos legítimos, sósias de pontífice, proxenetas manipuladores, anões patricidas e malucas piromaníacas, vi que há algo ali que ninguém mais além de mim viu, uma peculiaridade que transforma GoT em uma metanarrativa imorrível da streamingnhografia wokewoodyana. O insight já virou nota no meu Keep, e um dia, se for vontade da Altíssima, deixará de ser um projeto brochado para, enfim, desbrochar como petúnias na primavera.

Não posso revelar qual é esse insight agora para não dar spoiler. O que posso dizer é que nem mesmo sei se esse texto que estou escrevendo será meu último, aquele momento fatídico e definitivo de branquidão perene em que tudo que havia para ser dito já foi, e se não foi, já era. Queria poder dizer o que vai ocorrer daqui para frente, mas o amanhã a Frida pertence. E depois, se eu tivesse o poder de prever o futuro, abandonaria os textões para entrar para a política, pois somente parlamentares brasileiros conseguem ganhar na mega-sena toda semana sem levantar suspeitas. 

Como é trivial constatar, escapei da branquidão por breve momento. Nada garante, entretanto, que ela não irá me devorar outra vez em breve. Se for o caso, só o que me restará fazer é não chorar sobre o azeite esparramado e não lamentar o que fincou lá atrás, pois cada novo dia, cada instante de escureza, cada desbrochada primaveril, cada filme woke que dá prejuízo é um milagre da Deusa, e como dádiva abençoada deve ser tratada.

Impotente para fazer qualquer outra coisa a não ser aguardar diligentemente, como sempre fiz, pela graça da eluminação, desejo ao leitor, sua família, amigues e conhecides uma existência repleta de sentido, presente naquilo que, ainda que não vá ser, tem sido. Que Frida nos escureça nos momentos de esclaridão, e cuide para que nada do que nos falte vá fazer falta no caminho. 

E você, pessoa farofeira? Se não existisse, que falta farinha?

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