Fás Centido

 

Não sou choque, mas fiquei chocado ao descobrir recentemente a quantidade de indivíduos que entendem fás centido como erro ortográfico, e não como ironia. Verdade seja dita, esses jênios são cérebros de exceção, portanto é preciso atingir níveis pandêmicos de viralização para que seja possível observá-los pastando em quantidade significativa na selva digital.

De acordo com meus arquivos, uso o bordão "fás centido" no mínimo antes de março de 2019, data em que escrevi um post sobre ele. O fiz não porque sequer passou pela minha cabeça a ideia de que fosse necessário explicar a ironia, mas porque a frase contém uma ironia aninhada, portanto, a não ser que alguém encontre alguma outra, o que temos - pelos meus cálculos - é uma dupla ironia. 

Embora "fás centido" seja uma ironia cujo objetivo é apontar para algo que não faz sentido, a frase em si, ironicamente, faz sentido. Embora contenha erros de ortografia, o conteúdo semântico é preservado. Garantir a integridade ortográfica e sintática de uma expressão, por sua vez, não garante que ela tenha sentido. Números, por exemplo, são abstrações, enquanto molhado é uma propriedade de objetos físicos. Sendo assim, "número molhado" não contém erro formal de linguagem, mas mistura categorias para apontar para uma entidade que não existe nem no mundo físico, nem no abstrato. Em outras palavras, não existe em lugar nenhum, nem mesmo como possibilidade lógica.

A capacidade da linguagem de produzir artefatos que parecem existir, mas não existem em nenhum mundo lógico possível, possui implicações profundas para a Ciência e a Filosofia que não irei comentar aqui, mas que estão presentes no cotidiano das mulheres com penes, homens que menstruam e bissexuais não-binários. Lembro que jênio e penes são erros ortográficos, mas como já expliquei aquela parte da semântica, tudo que precisava ser entendido já foi, e se não foi, já era.

A resposta que recebi em 2019 faz sentido. Expressa concordância, mas também sarcasmo, portanto além de inteligente, é também pertinente, e se a rima não é suficiente, cito abundância e orgasmo. Aquela era outra época, uma em que eu me perguntava se o que escrevo faz algum sentido. Já não tenho tais dúvidas, mas há vários amigos pessoais e virtuais que me acompanham de longa data que me ajudaram a dissipá-las. Eles sabem quem são, portanto não preciso citá-los.

Hoje minhas dúvidas são outras, e me pergunto por qual razão continuo produzindo conteúdo. Penso que o que me move é a esperança de encontrar online indivíduos capazes de entender que algo que fás centido faz sentido. Isso talvez não faça sentido para você, mas enquanto fizer sentido para mim, faz sentido para alguém, então tem lógica. Lógico!

"Lógica não tem lógica, já que isso é ilógico. Não se trata do que está dentro, mas do que pode ser entendido. Se é lógico é porque faz sentido, não porque faz contido." - QUEERVOIR, Transimone de. O Transegundo Sexo. 0. ed. Lugar Nenhum: Tretas, 2020. cap. ciosa, p. 96-69

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