Mickey & Scarlett

 

O mês da visibilidade lésbica¹ sugere que lésbicas merecem visibilidade porque são mulheres que transam com mulheres, então é o momento de incentivar lésbicas a ouvir músicas, ler livros e consumir produtos criados por lésbicas sob o argumento de que elas as representam, enquanto pessoas não lésbicas são incentivadas a fazer o mesmo sob o argumento de que não fazê-lo é lesbofóbico. Consumir o que lésbicas produzem supostamente é a coisa que tornará invisível sua invisibilidade, já que só informar aos outros que você é lésbica não é suficiente para amparar sua existência e viabilizar sua identidade de mulher que transa com mulheres. 

Confesso que esse negócio de transar com mulheres considero bem irrelevante e indigno de nota. Eu próprio enquanto mesmo indivíduo em pessoa transo com mulheres. Ninguém parece muito impressionado com isso, embora o que me incomode nessa história é que eu tenho gatinhos toda hora que vou escrever expressões reflexivas. Falar de si mesmo, que é o que todos nós mesmos queremos, não pode, só o que pode é falar de si, pois si mesmo, eu próprio, nós mesmos e outras várias variantes são redundâncias redundantes. 

Mas qual o problema com redundâncias redundantes? Não sei. Só sei que não pode, a não ser que seja um recurso de estilo. Estilo é quando você erra de propósito para parecer que foi um erro, quando na realidade foi um erro de propósito. Não confundir essa prática com querer ser estiloso e errar, pois parece a mesma coisa, embora seja outra coisa. Mas quem decide se você está errando, errando com estilo ou estilizando com erro? Por que eu não posso escrever qualquer coisa que me dá na caixolinha e decidir o que aconteceu depois? Também não sei. Só sei que pensar nisso me dá gatinhos. A vida poderia ser bem mais fácil se decidíssemos pensar com o cérebro. Basta querer, mas não. Tudo tem que ser difícil, pois quem simplifica não complica, e quem lesbivai não lesbifica.

Supondo que você transe com mulheres também, não diga por aí que me representa. Isso somente seria possível se alguém inventasse uma maneira de transar por procuração. O sujeito está meio cansado, talvez muito ocupado, mas precisando dar no couro, então contrata um profissional que transe por ele. Agora sim você me representa, mas somente para executar os atos que estabeleci na procuração. Advogados já prestam esse serviço, inclusive. Se você quer foder com alguém, contrata um advogado, passa uma procuração enfoderante que lhe dá poderes para foder com outros em seu nome, e ele fode com outros por você. 

É o que fez Scarlett Johansson, a Viúva Negra, que contratou uns advogados para foder com a Disney² por ter lançado seu filme solo direto no streaming, sem passar pelas telonas. A Disney, por sua vez, contratou advogados para foder com a Johansson, então os advogados das duas partes ficam em uma salinha fazendo um surubão por procuração, gravam tudo e depois mandam a fita para que as partes possam saber quem fodeu com quem, como, e qual o tamanho do rombo. Não só é super prático, como serve de material para um possível filme: Capitão Mickey contra Scarlett Enfoderada. Espero que saia nos cinemas antes do streaming, do contrário teremos que aturar prequel, sequel, filmes solo do Capitão Mickey e Scarlett Enfoderada, universo expandido, reboots, crossovers e séries intermináveis que não vão terminar nunca mais para sempre ao infinito e além.

Nada dessa saga redundante e desnecessária é necessária para ser lésbica ou qualquer outra coisa não normativa que fuja à normalidade padrão. Ser uma lésbica que pode publicamente afirmar ser lésbica, livre de ostracismo social, já é um ato libertador que se completa em si. Dar visibilidade ao que você precisava esconder já apagou sua condição de invisível, então qualquer outro ato diferente desse não é nem mesmo uma redundância reduntante, é uma redundância que não redunda, e redundância que não redunda não é nem mesmo um erro que podemos, com boa vontade, considerar estilo, é só um erro, um eu que não é o próprio, um si que não é o mesmo, um você enquanto não pessoa. 

Quem redunda, abunda, mas nádegas a quem só tem bunda. Sejamos nós não correção pendente de erro, mas vácuo vazio de não substância, falha em busca de transformação, criatura rumo à criação, acerto em busca de repetição. Redunde-se, mas com moderação. 


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