Fake News Culposo


Está incorreta a afirmação que fiz em meu texto anterior sobre a promotoria do caso Mariana Ferrer ter inventado o tipo penal estupro culposo como justificativa para abandonar o caso. A promotoria não quis prosseguir por entender que inexistiam evidências de que um estupro ocorreu. O termo estupro culposo foi forjado pelo Intercept Brasil¹, conforme o próprio admite em nota de correção no rodapé da matéria, emitida em data posterior à sua publicação:

"A expressão ‘estupro culposo’ foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artíficio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo." - The Intercept Brasil

Com essa nota o Intercept se supera, e usa fake news para corrigir fake news. O problema já começa na alegação de que culposo foi expressão escolhida para clarificar alguma coisa ao leigo. Embora doloso e culposo não sejam necessariamente termos jurídicos obscuros, usar uma expressão técnica que muitas pessoas não dominam é a última coisa que alguém tentando esclarecer algo ao grande público vai fazer, então aqui o que temos é ou uma confissão de falsidade, ou de incompetência jornalística.

A mentira começa assim que é dito que não foi intenção afirmar que estupro culposo, uma expressão que continua na manchete e não foi corrigida, integrou os autos do processo. O fato é que o nome que você deu a um imbróglio é irrelevante, já que é visível na matéria que foi intenção argumentar por um tipo inexistente de crime que foi supostamente invocado no caso para inocentar o acusado. Por falar em imbróglio, o imbróglio do Intercept está claramente exposto na sua matéria, que não passa de uma tentativa de inventar o factoide de que, no processo, uma verificada ocorrência de estupro de vulnerável foi convertida em estupro culposo, em uma maligna e inédita manobra realizada pelo poder judiciário para inocentar o réu. Tal coisa não pode ser observada nos autos em lugar algum. A cereja do bolo está na entrevista com a promotora Valéria Scarance:

"Para a promotora Valéria Scarance, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, a tese jurídica da condição “culposa” para casos de estupro abre precedente para dificultar a demonstração desses crimes."

Ora, o Intercept induziu uma promotora em uma entrevista a crer que havia uma tese jurídica culposa de estupro presente no processo para que ela comentasse o fato, para em seguida afirmar em sua nota de correção salvadora que jamais disse que o termo culposo foi usado ou mencionado no processo. Possivelmente o Intercept achou que Valéria fosse leiga em Direito, e tentou aplicar o Interceptsplaining na promotora. Ao menos o Intercept foi sincero uma vez em sua nota de correção: o artíficio é usual ao jornalismo.

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